Os adoradores do tempo [incompleto]

Todo ser humano nasce com uma tendência a acreditar no impossível, ou pelo menos no muito improvável, a chamada fé. Dentre essas ilusões, ou milagres, possivelmente a mais fortemente seguida - e mais improvável de ocorrer - seja a de que o Tempo seja controlável.

Entre as doutrinas predominantes no planeta Terra, nenhuma delas se equipara em quantidade de seguidores, de rituais ou de símbolos, como o dos adoradores do Tempo.

O Tempo é adorado por sua onipresença, onipotência e onisciência. É uma entidade inefável, cujos estudos são - ironicamente - levados muito a sério nos cursos universitários. Desde cedo os costumes são ensinados às crianças, através de brinquedos educativos ou exemplos cotidianos. E é temido pela sua soberania frente aos seres tridimensionais.

Os símbolos que o representam estão em quase todas as civilizações, ao menos nas ditas modernas, e nenhuma destas funcionam em estado laico ao tempo. São exemplos os relógios, em todas as formas possíveis: digitais ou analógicos; de pulso, parede, ampulhetas,
cronômetros e inclusive calendários, a forma mais rústica de mensuração.

É improvável que se encontre um estabelecimento numa dessas sociedades que não possua um símbolo desses pendurado em uma de suas paredes. Um ambiente desprovido de tais elementos causa sensações de perdição, confusão e depressão, típicos de uma crise de abstinência. O mesmo se pode dizer quando o objeto pára de funcionar, é um pânico infindável até sua recuperação ou substituição.

Presentes comumente trocados entre seres humanos, em datas especiais, envolvem equipamentos que lhes informem onde estão em relação ao tempo. Sejam lembrancinhas, como um calendário, fabricado em massa para servir de propaganda, ou talvez um belo relógio suíço, mimado proporcionalmente ao preço, dito tão único quanto todos os outros fabricados antes deste.


Todas essas tentativas de apreender o tempo num objeto tridimensional são inúteis. Não se compreende um quadrado em apenas uma dimensão, nem uma esfera em duas. O Tempo, portanto, só pode ser compreendido em suas quatro dimensões. Com um relógio, não se vê o Tempo, mas o efeito dele sobre as três dimensões percebidas pelo ser humano, graças à sua memória. Afinal de contas, o ser humano não percebe - sensorialmente - o futuro ou o passado, somente o presente. A memória e o aprendizado de estímulos discriminativos dão a impressão de controle do tempo.

A questão é que, apesar de tudo, tenta ver o tempo por apenas uma de suas dimensões, dando-lhe a aparência de um ponto, iludindo-o a uma forma de probabilidade retilínea.
O fim de um ciclo solar é um momento de celebração tão grande aos seres humanos que em todo o globo é possível se observar atividades artísticas referentes à marcação do tempo.

All in

O ser humano nasce com uma patologia chamada 'Fé' que não apenas atrapalha sua vida, como pode encerrá-la precocemente.

A Fé, por definição, é um vício pelo depois. Em outras palavras, 'pagar para ver'. E acaba por atrapalhá-lo na medida que cada vez que se depara com uma aposta mal feita (para constar: pela sua própria estupidez), se torna - ainda mais - infeliz.

Não há problema algum em apostar. Não há uma cultura na galáxia que não tenha seu sistema de apostas. Entretanto, o que essas culturas têm em comum é a utilização de seu córtex pré-frontal no ato das apostas.

Em parte, é isso que define um ser racional. Um ser que saiba apostar. Porém, como bem se sabe, o ser humano é a única criatura capaz de receber a classificação de irracional, na Terra; todas as demais são denominadas não-racionais mesmo.

Fugindo da questão financeira - que é o menor de seus problemas em se tratando de estupidez numa aposta - a Fé é uma patologia tão severa que um indivíduo pode, e não dificilmente o faz, apostar sua própria vida (e as vidas de outras pessoas, que nem lhe pertencem) num pot ridículo.

Não é surpreendente alguém arriscar mais de uma vida pela chance de fugir de 30 segundos preso num farol. Ou pior ainda, dar all in numa causa perdida, como é o caso daqueles que esperam por milagres (outra crença curiosa nos seres humanos, a ser tratada numa postagem próxima).

O valor de uma vida é facilmente calculável para quem está do outro lado da pele. E que também não tenha 'o seu' na reta, claro. Entretanto, para seu dono, a vida deveria ter um preço inestimável, pois não é nada fácil arranjar outra - muito menos depois de perder a sua de nascença.

Por isso, quanto mais se observa um ser humano apostando, mais se duvida dos critérios e propinas recebidas pelos cientistas que atestaram serem os humanos, racionais.

Unununium

Tal qual qualquer outro produto da natureza, o ser humano está sujeito a algumas leis, como possuir uma etiqueta com os dizeres: "Expira em:".

A natureza tem suas artimanhas para criar os elementos que deseja, desde os vegetais para formação de uma atmosfera rica em oxigênio, até os seres humanos, que desenvolveram - sabe-se-lá-para-que - o Unununium.

Este elemento, hoje chamado de roentgênio, possui características curiosas: sendo sintético, ele somente existe em um ambiente bastante propício (dito 'ideal'), e mesmo assim tem sua meia-vida estimada em 15 milisegundos. Sua utilidade prática é indefinida, já que sua existência nesse plano é muito curta, comparativamente aos demais elementos.

Ora, outro elemento que se observa na natureza também apresenta tais características. Foi preciso um ambiente cuja improbabilidade de existência tende ao infinito para seu surgimento. Sua permanência, entretanto, é infima em comparação ao tempo que levou para se tornar existente. E sua utilidade prática não é tão mais surpreendente que do próprio Unununium.


Tendo tão pouco tempo de duração, é melhor que se consuma logo, pois após seu vencimento não adianta rezar para o Serviço de Atendimento ao Consumidor. Claro que para melhor conservação é necessário seguir alguns procedimentos de cuidados, como não expor diretamente ao sol ou manter longe do alcance de filhos.

Falando da Terra

Esta esfera imperfeita, rodeando em elipse uma estrela pequenina na borda mais brega da região ocidental da Galáxia, foi apelidada de planeta Terra pelos humanos. Ela tem aproximadamente 4,6 bilhões de ciclos solares e passou pelas mais diversas transformações para chegar ao estágio de desenvolvimento que se encontra, se recriando e redestruindo a seu bel-prazer, e não aparenta querer parar tão cedo.

Os seres humanos contemporâneos (para não usar em vão 'modernos') não existiam 100 mil ciclos solares atrás; um nada comparativamente à Terra. Dotados de racionalidade, eles têm a magnífica capacidade de serem irracionais, qualidade esta que os distingue de qualquer outro animal nascido na Terra, já que todos os demais (salvo os golfinhos e ratos*), até o momento, caem na classificação de não-racionais.
Com essa irracionalidade concluíram que o planeta existe para seu desfrutar, sendo assim alguns o desfrutam de fato, enquanto outros tentam 'salvá-lo' dos primeiros.

Levou muito tempo e a existência e extinção de muitas criaturas para que fosse formada na Terra uma atmosfera adequada à sobrevivência da diversidade encontrada nela hoje. Que outra maneira além do surgimento de vegetais seria possível à Terra criar massivas quantidades de oxigênio?
Considerando isso, atribui-se às plantas o surgimento de algo que não poderia ser criado espontaneamente. Pois bem, estou convicto de que o surgimento de uma raça com capacidade de raciocínio lógico não foi por acaso. Mesmo os próprios seres humanos aparentam ter uma curiosidade por responder: "Por que estamos aqui?"
Bem, minha conclusão até o momento é bastante simples: 'Plástico'.

A Terra por si só não conseguiria produzir espontaneamente o plástico. Para isso criou as condições necessárias para o surgimento dos seres humanos e que eles tivessem o material necessário para manufaturarem o tão desejado substrato de petróleo.
Para quê um planeta precisa de plástico, ainda não sei. Mas os planetas costumam ter a razão no final, uma vez que quem sobrevive escreve a História, e a Terra estará aqui para apagar as luzes depois que todos tiverem ido.

Próprio-controle

Tudo funciona muito bem quanto ao próprio-controle dos seres humanos, até dar algo de errado. Eles sentem que a geleca que chamam de corpo é o que devem chamar de 'eu' e têm plena certeza de que podem se próprio-controlar.

Quando, por qualquer motivo, se perde esse próprio-controle, há pânico. É curioso como uma caimbra, espasmos ou convulsões não são ligadas a uma ação do 'eu'. Estas são ditas ações involuntárias. Porém, involuntárias para quem?

Muito provavelmente quando pensam em vontade, pensam no 'mim'. minha vida, então eu farei o que quero" - (Frase típica de seres humanos em crise de existência)

Este 'mim', entretanto, também sofre de caimbras. O que chamam de Amor e Neura são típicas manifestações de caimbras do 'mim'. Jogam involuntariamente os pensamentos à uma direção desconfortável, chegando a machucar dependendo em que parte ocorre. Existem em maior ou menor grau, passam com o relaxamento apropriado e podem ser evitadas nos graus mais fortes, na maioria das vezes, mantendo-se aquecido.

O fato de um ser humano ter caimbras não significa, propriamente, que está com defeito. Eles vêm assim da grande fábrica e assim retornam para lá. Claro, com a dor causada por uma caimbra, a passagem de volta às vezes pode ser marcada com um pouco de antecedência... Sobre o prazo de validade, fica para outra postagem.

Concluindo o ano, com atraso

Bem como qualquer país de terceiro mundo, a humanidade é um lugar incrível de se visitar, mas improvável de se querer habitar. Só sobrevivem mesmo os já adaptados.

Com o fim do ciclo solar deles, muito barulho foi feito, muita bebida foi consumida, muitas felicidades e fatalidades lembradas, desejos - infundados - de que o próximo ciclo seja melhor (usados para quebrar o gelo com familiares há muito esquecidos) e mais bebida consumida levando a mais barulho sendo feito.

Os seres humanos têm essa tendência a desejarem. Para si ou para os outros, eles desejam coisas imateriais que acreditam existir. 'Amor, saúde, paz, sorte e felicidade', sempre as mesmas cinco palavras - em ordens diversas - quase que mecanicamente.

Não sei quantos deles já pararam para pensar no que dizem enquanto reproduzem esse costume. Certamente são poucos.

Continuando, essa mania de desejar sempre está associada à tal da esperança. Essa imortal figura que na verdade é a única que morre. Com o fracasso da esperança, o conformismo toma conta de forma tão sutil que não se define o início de um e fim do outro.

Diz-se dos seres humanos como sendo os únicos seres terrestres com capacidade de prever sua própria morte. Antes disso, digo que é o único ser capaz de prever a morte de sua própria esperança.